fonte: Folha de SP
Apesar da polêmica, o Ministério da Saúde vai manter o processo de compra de um medicamento apontado por especialistas como pouco eficaz para o tratamento de crianças com leucemia. A pasta anunciou que a aquisição do L-asparginase, produzido por um laboratório chinês, será mantida para atender pacientes de hospitais próprios do Sistema Único de Saúde (SUS). Instituições credenciadas e hospitais filantrópicos, por sua vez, receberão recursos para comprar medicamentos que acharem mais convenientes.
Nesta semana, um estudo conduzido pelo Centro Infantil Boldrini indicando que o L-asparginase não tem qualidade para uso em humanos foi publicado na revista EBioMedicine. “(A publicação) É o reconhecimento da qualidade técnica da pesquisa. Mostra que o produto tem eficácia comprometida e que seu uso é uma imperícia ética e moral”, afirma a presidente do Centro Boldrini, Silvia Brandalise.
O L-asparginase é comprado desde 2013 pelo Ministério da Saúde para o tratamento de pacientes com Leucemia Mieoloide Aguda. O medicamento substituiu outro produto, o asparginase, fabricado por indústria alemã.
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O estudo feito pelo Boldrini publicado agora no EBioMedicine tem seus resultados questionados pelo Ministério da Saúde. A pasta afirma que o trabalho foi feito com pequeno número de camundongos e os achados obtidos não podem ser extrapolados para seres humanos. Brandalise discorda. “Não há como fazer o teste em humanos, por questões éticas. Sobretudo porque resultados foram ruins com animais”, completou.
A compra do L-Asparginase foi feita com base no menor preço pelo Ministério da Saúde. O objetivo era ofertar tratamento para 4 mil crianças com leucemia. A análise feita pelo Instituto Boldrini avaliou a presença de impurezas e a bioequivalência do medicamento. Como comparação, foi usado o remédio que tradicionalmente é indicado para crianças com leucemia, a asparginase alemã.
O trabalho indica que a droga chinesa apresentou 398 contaminantes, muito acima dos três apresentados pelo medicamento alemão. Essa grande quantidade de impurezas, afirma Sílvia, aumenta de forma expressiva o risco de reações alérgicas e outros efeitos adversos, além de comprometer a ação da droga. O estudo indicou ainda que bioequivalência do produto chinês seria bem menos expressiva do que o medicamento alemão usado na comparação. “O poder de ação da droga chinesa representa 30% do poder de ação do medicamento usado tradicionalmente”, disse.
A menor eficácia do tratamento com droga chinesa, afirma Silvia, ocorre numa terapia em que falhas não são admitidas. “A quimioterapia é uma guerra em que se tem de usar todas as melhores armas logo no primeira batalha. Não se pode deixar para depois, sob pena de tornar as células resistentes ao tratamento”, completou.
Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que a publicação não é representativa. “A publicação no site do The Lancet Oncology não se refere ao resultado de um estudo científico e, sim, a um manuscrito de interpretação exclusiva do Centro Boldrini sem que outras entidades científicas tenham atestado. Conforme a própria descrição da plataforma, a EBioMedicine aborda desde hipóteses clínicas a achados experimentais. Faz publicações ‘rápida’ para criar o debate”, afirmou.
Na época da primeira compra, o Ministério da Saúde afirmou que a escolha do fornecedor chinês havia ocorrido em razão da falta da asparginase no mercado internacional. “Isso não é fato. Havia medicamento nos Estados Unidos e na Europa”, afirma Silvia. Para ela, o maior recado da publicação do artigo na revista científica é o de que o uso do medicamento chinês representara imperícia ética e moral. “O País deve zelar pela qualidade das compras que faz. E estar convicto de que, sobretudo medicamentos, são eficazes e seguros”, completou.
Barros, por sua vez, cita a Lasparginase como um dos exemplos de negociação com indústria farmacêutica para redução de preços de medicamentos. Numa apresentação feita na tarde desta terça, ele atribui a essas negociações uma economia de R$ 3,7 bilhões em dois anos. Ao mesmo tempo em que anuncia a economia da gestão, Barros coleciona críticas, sobretudo de associações de pacientes. A maior queixa é de que para atingir essa economia, a segurança do tratamento é colocada em risco. Seja com redução da quantidade de medicamentos ofertados, seja com substituição de drogas por mais baratas, feitas de forma que nem sempre levam em conta o paciente, asseguram. A associação de pacientes de Gaucher, por exemplo, afirma que desde o ano passado o fornecimento do remédio tradicionalmente usado para o tratamento apresenta falhas.
“Há uma clara tentativa de se forçar o uso de outro remédio, alvo de um contrato de transferência de tecnologia”, afirma Cristiane Simone Hamann, presidente da Associação Catarinense de Pacientes Amigos de Gaucher.